terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Relato de Cicloviagem: Circuito do Vale Europeu em Santa Catarina

Desde que fui a primeira vez para o Circuito do Vale Europeu, em Santa Catarina, percorrendo a rota a pé, não saía da cabeça a ideia de voltar para fazer a mesma rota de bicicleta.
A ansiedade era tanta que, descendo do ônibus na rodoviária de Timbó/SC, vindo de Blumenau, já tirei a bike do bagageiro e a montei ali mesmo.
Menos de 3 km percorridos e já estava no Timbó Park Hotel para uma noite de descanso e preparativos para o circuito. No hotel há uma boa estrutura para quem viaja de bicicleta, com local para guardar a bike e cavalete para reparos. Além disso, a equipe é bem informada sobre tudo. Aliás, todo o circuito é bem preparado para receber os cicloturistas. Os estabelecimentos se conhecem, se falam, trabalham com produtores e produtos locais, e já fazem isso há mais de 10 anos.
No hotel, peguei um kit do circuito que continha informações do trajeto, guia, altimetria e um passaporte para ser carimbado nas localidades. Aproveitei a tarde para visitar o Museu da Música (a 5 km do hotel) e fazer alguns ajustes na bike.
No dia seguinte, depois do café reforçado no hotel, ganhei um sanduíche para o primeiro dia de trilha, e ainda me fizeram a gentileza de guardar a mala-bike até a volta, 8 dias depois.



1º dia. Timbó - Pomerode.

Saí por volta das 9h. O Sol já estava bem forte, e os primeiros 15 km (do total de 50,5 km) foram bastante lentos. Era a primeira vez que viajava de bicicleta, sozinho, no estilo bikepacking conforme tinha aprendido num curso com o Guilherme Cavallari, sem alforges, utilizando bolsas que adquiri da Aresta Equipamentos, feitos sob medida. Uma bolsa no quadro, uma no selim, e uma no guidão. A princípio, tinha achado melhor colocar a maior parte do peso na bolsa do selim, pois pensei que mais peso atrás, faria com que a roda de trás derrapasse menos nas subidas de terra. Só que nas descidas e lombadas, ela tinha uma certa flexibilidade que a fazia bater no pneu. Passei o peso pra frente, e aí foi a vez da bolsa da frente bater no pneu quando a suspensão se contraia. Consegui balancear mais ou menos, mas esses ajustes tiveram que ser feitos durante toda a viagem.



Lá pelo quilômetro 25, iniciou-se uma longa subida. Foram mais de 900m de ganho de elevação. Com o Sol das 2 da tarde rachando coco, parei pra comer o sanduíche debaixo de uma das poucas sombras da subida. Eram árvores de 30, 40 metros. Depois de alguns minutos sentado ali, ouvi o que parecia ser um motor pegando no tranco, ou um tiranossauro com dor de dente... Na dúvida entre terminar de comer o sanduíche e sair correndo, peguei a câmera.
No alto das árvores, uma turma de macacos bugios pulava de galho em galho e parava para comer alguma coisa. Acabei com meu lanche antes que se interessassem por ele e fiquei mais de uma hora ali, assistindo. O maior deles era o tiranossauro. Alguns tinham filhotes nas costas. Nenhum se importou com minha presença. Alguns carros passavam subindo pela estrada eventualmente. Ninguém olhou pra cima. Passou um de moto. Me cumprimentou com o típico aceno de mão da região, mas também não reparou na festa acima dele.
O quanto deixa de ser visto quando a gente viaja rápido?



Rápida foi a descida, do outro lado da montanha. O mesmo tanto que levou horas para subir, levou poucos minutos para descer. Com um sorriso empoeirado na cara e os joelhos meio trôpegos, cheguei em Pomerode/SC.
A Pousada Max tinha um “estacionamento” para bicicletas na sala, de piso de madeira, antigo e brilhante. Deu dó de estacioná-la ali, mas achei bem legal.
Um bom banho e a perspectiva de uma currywürst nesta cidade de colonização alemã, fizeram o dia terminar satisfatoriamente.


2º dia. Pomerode - Indaial.

A senhora que cuidava da recepção me deu bom dia e uma má notícia. Na sala de piso de madeira lustrado jazia meu pneu traseiro murcho. Eu havia me preparado minimamente para a viagem, fiz curso básico de mecânica, e já tinha precisado fazer remendos algumas vezes. Estufei o peito com toda a confiança do mundo, dei de ombros e fui tomar café. Prioridades, né?



O café da manhã é muito bom. Em geral, as pousadas usam produtos locais como geleias, bolos, cucas, manteiga, entre outros. São coisas mais caseiras e menos industrializadas, incentivando o comércio da região. Mais uma vez me ofereceram frutas para o lanche do dia. Aceitei a gentileza e fui arrumar o pneu. Primeiro percalço do dia: não achei o furo. Troquei por uma câmara reserva. E fui atrás de uma bicicletaria. Não achei prudente continuar a viagem sem remendar a outra câmara. Me perdi na cidade com as indicações da senhora, mas encontrei um cara lavando o carro no quintal, que também era ciclista, e me indicou o caminho certo. Na bicicletaria, acabei remendando a câmara, trocando o pneu traseiro, já meio careca, por um novo e comprando luvas, porque só tinha levado luvas para o frio.
No caminho de volta para a pousada, vi uma banda e um grupo de dança alemã na praça. Também passei por um evento de acampantes, trailers e motorhomes. No fim, o atraso com o pneu teve um lado bom.
De volta à pousada, tomei outro café, prendi as bolsas na bike e saí. Quase 11 da manhã, o Sol já fritaria um ovo facilmente no topo do capacete.
À frente, 40 km de pedal, duas grandes subidas acumulando mais de 1.000m de elevação. Foi o dia que o ritmo foi mais devagar. As várias casinhas estilo enxaimel me faziam parar a toda hora para uma foto, ou uma olhada mais curiosa. Os mercadinhos me faziam parar para um sorvete. As sombras para tomar água, limpar os óculos e secar a testa.
Em um dos mercadinhos, comprei um sorvete e fiquei na porta já pensando em pegar um segundo. Um senhor atrás de mim foi atendido em alemão pela senhora do caixa. Fiquei de ouvidos. Estudei um pouco, anos atrás, e resolvi testar o básico. Peguei outro sorvete e perguntei se tinha suco de laranja, em alemão. Nem queria suco de laranja, mas só lembrei de “Orangesaft” na hora. A senhora sorriu, e foi gentil em responder onde estava e me falar o preço em alemão. Depois explicou que o alemão deles é diferente, foi de alguma forma adaptado. Disse que como falam é diferente da ortografia, mas que ainda é um dialeto bastante comum entre os mais velhos e mais afastados da cidade.
Depois de 2 sorvetes e um suco, saí para a segunda subida do dia. Na metade, cansei. Subi o resto empurrando e parei no topo para comer. Só faltava descer, então fiz filmagens e fotos, e consultei o mapa offline do celular para ver onde ficava o hotel que eu tinha reservado. Precisaria repassar o final do roteiro do dia, e atravessar o centro da cidade. No final da descida parei novamente para conferir a quilometragem. Cadê o celular? Segundo percalço do dia. Lembrei de ter ouvido vagamente um estalo durante a descida. Cheguei até olhar pra trás. Me pareceu um galho ou algo assim e não era muito longe. Tive a esperança de que o celular tivesse caído ali. Caso contrário, o mais provável é que tivesse deixando no topo da montanha, 11 km atrás! Por sorte o galho era o celular. E não tinha quebrado! Passado o momento de desespero, continuei a trilha até parar na sombra de um ponto de ônibus para comer uma maçã e olhar o riacho que passava atrás.



Cadê meu Crocs? Eu trazia um par desse ícone da moda dos calçados preso aos elásticos da bolsa do selim. Sumiu, não vi cair. Terceiro percalço do dia. Mas por sorte, um dos pés estava a apenas algumas centenas de metros atrás, e o outro um pouco além.
Chegando na cidade, atravessei a ponte do rio Itajaí-Açu e cheguei à placa que demarcava o fim do segundo dia. Conferi se não tinha perdido mais nada e segui para o hotel.
Indaial é a cidade inicial e final para quem percorre a rota a pé, e o Hotel Fink era o mesmo que fiquei da outra vez. Foi um pouco nostálgico voltar lá.
A cidade não tinha muita coisa aberta à noite. Achei uma hamburgueria para jantar e fui dormir cedo.


3º dia. Indaial - Apiúna - Ascurra - Rodeio.

Apesar de passar por 4 cidades, esse dia é bastante plano. A cidade de Apiúna/SC é opcional no roteiro, mas achei interessante voltar lá por fazer parte do roteiro a pé, e ter um restaurante barato para almoçar. Já estava cansando de sanduíches.
No restaurante encontrei um grupo que estava pedalando pela região e um deles acabou seguindo comigo até Ascurra/SC. Ninguém menos que Eder Strutz, que conhece muito bem a região e tem um canal de cicloturismo no Youtube. Ele foi uma boa companhia, fomos papeando sobre trilhas e sobre a região. Em Ascurra parei na pousada da Nona Rosina, para carimbar o passaporte e tomar uma água. Um casarão antigo e belíssimo, onde fiquei sabendo que teria um recital de piano à noite. Deu vontade de ficar, mas já tinha reserva em outra pousada, na cidade de Rodeio.
Pedalando até Apiúna, o dia total deu 26km. E a cidade de Ascurra é bem próxima de Rodeio.
Estava ansioso para chegar em Rodeio, pois é uma cidade de colonização italiana, tutti buona gente, e a pousada onde ficaria dizia ter uma oficina tipográfica.
Antes tive que parar para tirar fotos de um avestruz, que avistei vivendo numa fazenda. Não é todo dia que a gente vê um avestruz…



Parecia inusitado ter uma oficina tipográfica tão rara no Brasil, tão rara nesse século, numa cidade tão pequena, numa pousada no pé da montanha. Mesmo sendo 3km fora da rota, não tive dúvida que precisava conhecer.



A Quinta da Gávea é uma pousada bastante aconchegante comandada pelo Cristiano, escritor/poeta, professor de língua portuguesa dos índios da região; pelo designer gráfico Jackson e pela ex-bombeira Patrícia. Pessoas boníssimas que me acolheram como um amigo. A pousada também é um espaço criativo, biblioteca e onde funciona a oficina tipográfica (chamada Papel do Mato), onde Cristiano e Jackson editam e publicam suas artes, livros e poemas.


4º dia. Rodeio - Benedito Novo (Zinco).

Saí por volta das 10 horas da pousada, e fui até a placa de início do 4º dia, no centro de Rodeio. Tinha tido uma boa noite de papo e descanso, e a previsão era de chuva na parte da tarde, então decidi acelerar o ritmo. Mas essa decisão durou pouco tempo, pois seriam 31km apenas nesse dia (predominantemente subida). Passei pelo Caminho dos Anjos, e eles me observavam passando vagarosamente morro acima. Tive sensação que eles davam sorrisinhos de deboche do meu esforço.



Fui quase sem parar até a bifurcação que leva para a Fazenda Campo do Zinco, que estava no roteiro como opcional, ou para Doutor Pedrinho/SC. Opcional para mim é obrigatório. Então já tinha reservado a pernoite na fazenda. É preciso reservar porque não é uma pousada que fica sempre aberta, só funciona para hospedagem quando tem alguma reserva. Tinha vontade de voltar lá. Quando fiz o circuito a pé, peguei o caminho errado nessa bifurcação, andei à toa e debaixo de chuva. Fiquei sozinho rindo disso enquanto comia umas bananas. Desci os 8 km entre a bifurcação e a porteira da fazenda e parei um pouco. Lá tem um aviso de que só se pode entrar com autorização e com reserva na pousada. Eu não tinha certeza de que estariam me esperando, porque não tinha conseguido fazer o depósito do pagamento anteriormente. Teoricamente estava combinado, mas havia essa questão. Esperei uma meia hora. Ainda estava cedo, e a tal chuva ainda não tinha dado sinal. Havia uma subida dura à frente, e minha esperança era que a Margarethe ou o Elon, donos da fazenda, passassem por mim e confirmassem que estavam me esperando lá em cima.
Algumas nuvens começaram a se formar, então resolvi subir. E que subida! As batatas da perna gritavam. Agora com o peso extra na bicicleta, que fazia os meses de treino anteriores parecerem nada. Quase no fim da subida, Andreas passou por mim com sua caminhonete. Logo depois, Margarethe me cumprimentou e seguiu em frente. Gentilmente, ela tinha se oferecido para levar minha mochila. Mas agora era questão de honra subir com tudo! A honra às vezes nos faz imbecis.
Na pousada me receberam com um chocolate gelado e uma cuca. Não tomo leite, mas não recusei. Estava ótimo.
A pousada é a própria casa principal da fazenda, com alguns quartos para hóspedes. Margarethe é quem cozinha. Extremamente bem, diga-se de passagem. Vale o trecho opcional e o subidão, só pela comida. A fazenda protege uma grande área de mata nativa, bem como a Cachoeira do Zinco, outro atrativo do local que vale a pena a subida.
Andreas me contou que a criação de trutas já não existia mais. Os postes de alta tensão instalados pela companhia de luz na crista da montanha, fizeram a terra descer a encosta com as chuvas e estragar os açudes da criação. Não houve ressarcimento, nem nada. Agora, estavam tentando implantar a cultura do mirtilo (blueberry) na região. É um pessoal esforçado e trabalhador, que apesar dos reveses da vida, acredita na proteção da natureza acima do lucro a qualquer custo.
Dei uma volta na área, tirei algumas fotos, e fiquei um tempo sentado num banco à beira do lago vendo as muitas aves que voavam baixo ou pousavam perto. As nuvens chegando cada vez mais perto ameaçando chover. Fui tomar um banho.



O jantar foi extremamente farto. Oito ou nove pessoas teriam trabalho para dar conta de tudo, mas fomos só nós três. Dormi profundamente. Lá não pega internet. E realmente dormir num silêncio absoluto (ou com o barulhinho da chuva) é uma experiência que não se pode mais perder quando a oportunidade surge em um mundo tão barulhento em todos os sentidos.


5º dia. Zinco - Dr. Pedrinho

De manhã, um café da manhã dos deuses. Não dava vontade de ir embora, mas fui, pensando em desculpas para voltar. Até pensei em me oferecer para ajudar Andreas com a lida na plantação de mirtilos e ficar mais um dia. Mas já tinha reservado a próxima pousada.

Mas, de qualquer forma, não gosto de viajar com reservas, datas e horários pré-determinados, acho limitante. E também acho que a segurança de ter um lugar reservado pra dormir nem sempre vale a pena se tenho que abrir mão de oportunidades que surgem, ou de simples mudança de planos que poderiam proporcionar outras experiências.



Todavia a região não é tão sortida assim de estrutura turística. As pousadas podem estar lotadas, ou fechadas. E eu não estava preparado para dormir em qualquer lugar dessa vez.
A descida do Zinco até a bifurcação teve que ser com calma por conta do barro. E aproveitei para ir tirando fotos da cachoeira que ficava para trás.
Pedalei tão absorto em pensamentos que cheguei rápido em Dr. Pedrinho, na pousada da Dona Hilda. A pousada recebe caminhoneiros e viajantes, e ainda estava servindo almoço. Aproveitei e fiz um “pratinho”. Comida simples, mas bem saborosa. Depois fui dar uma volta na cidade e tomar um café. A volta toda, mais a parada pro café, não durou meia-hora. Porque a cidade é só isso mesmo. Duas quadras de casas, a pousada, e um café…
No café, alguns políticos em campanha eleitoral vieram me cumprimentar e puxar assunto, com sorrisos bem treinados. Pedi um bolo para tirar o amargo do café.
Voltei para a pousada e comecei a planejar o restante da viagem. Ainda não tinha programado nada daí pra frente. Dona Hilda tentou me ajudar a fazer contato com as pousadas de Rio dos Cedros (Alto Cedro), mas estavam fechadas e não iam abrir pra receber apenas um viajante.
Na Quinta da Gávea, tinham me sugerido ficar na pousada da Família Duwe, mas eu estava com certo receio porque o método para se chegar lá não estava muito claro para mim. De qualquer forma, foi o único lugar que poderia me receber.


6º dia. Dr. Pedrinho - Rio dos Cedros

Dormi com certo receio e acordei cedo demais. Dona Hilda tranca a pousada e só abre às 7h. A noite não tem onde ir, então porque não trancar e deixar os hóspedes presos? Quando abriu, botei as bolsas na bike, tomei café e repassei as informações com Dona Hilda. A sugestão dela era ir pela rota que levava à Cachoeira Véu de Noiva. Peguei esse caminho, mas voltei depois de uns 4 km. Me pareceu estranho. Uma estrada de terra batida, quase pavimentada, larga. Não tinha graça.
Voltei até a cidade e peguei o caminho para a Gruta Sto. Antônio. 30 km com mais de 1000 metros acumulados de elevação. Subidão de novo, mas já estava mais adaptado.



O final do caminho é bem bonito. Quando as subidas terminam, você dá de cara com o início da represa, E logo chega à placa de fim do dia.
Ali começava minha preocupação. Segundo o pessoal da Quinta, e Dona Hilda, eu teria que andar uns 3 km beirando a represa à esquerda, encontrar um poste com uma placa escrito Família Duwe, e um banquinho de madeira.
Não tinha ideia de como seria isso, fui pedalando devagar e tentando ver, da margem, alguma coisa entre as árvores. Não passei por nenhuma construção, casa, ou pessoa pra quem pudesse perguntar, mas por fim achei o tal banco.
Sem telefone, nem contato, sentei e fiquei olhando para onde a seta na placa apontava, o outro lado da represa. Comi, bebi, e depois de um tempo vi um senhor descendo a margem do outro lado. Peguei a câmera, troquei a lente para uma 70-300mm e joguei o zoom lá longe. De galochas ele continuou descendo, soltou um barquinho que estava preso na borda e veio de pé, remando.



Quando chegou há uns 100 metros do barranco onde eu estava, apontou para a margem mais a frente, onde ele atracaria. Fui até lá e ele já foi pegando a bicicleta com a bagagem toda e colocando no barco. Se apresentou como Raulino Duwe, apontou onde eu deveria sentar e saiu remando.
Sr. Raulino foi um dos personagens mais sensacionais que conheci nessa viagem. Há mais de 11 anos ele tem essa pousada, já recebeu ônibus com mais de 40 pessoas, e atravessou todas elas no barquinho. Participa do circuito desde o começo e não quer fazer outra coisa. Um coração enorme que de pronto me ofereceu um omelete e já foi lá no galinheiro negociar os ovos com as galinhas. Super disposto a conversar, a dar atenção, a fazer companhia, contar as histórias da região. Super consciente de valor da cultura local, da necessidade de envolver os produtores da região, do valor da vida simples e de fazer parte de algo pelo bem de todos.
Passamos boas horas conversando e aprendi muito com ele.
As pessoas que a gente conhece nas viagens fazem muita diferença em como a gente percebe as coisas. Não era uma pessoa que estava conversando comigo porque queria vender algo pro turista, ou porque tinha algum interesse.
Me deixou à vontade para andar pelo sítio, e me chamou quando o jantar ficou pronto.
Ainda ficou contando histórias e respondendo minhas perguntas com a maior boa vontade, fazendo companhia para que eu não jantasse sozinho.


7º dia. Alto Cedro - Palmeiras.

Tomei o café da manhã, deixei um agradecimento no livro de visitas e preparei a bike para partir. Sr. Raulino me atravessou de volta pro outro lado da represa e nos despedimos.



Fiquei um tempo olhando ele voltar. Pensando até que ponto a vida que eu levo na cidade grande vale a pena. Precisamos mesmo disso?

O trecho até Palmeiras era desconhecido pra mim. Os mochileiros não passam por essa parte alta da represa. E põe alta nisso. O ponto mais alto de todo o circuito é nesse trecho. Numa parte meio feia de plantações de eucaliptos e pinheiros. Feia porque tinham acabado de cortar boa parte da plantação, então parecia um cenário pós-apocalíptico.
Por sorte, tinha preparado um sanduíche no Sr. Raulino, porque nesse trecho não há nada, lugar nenhum pra se comprar algo.
O único ponto de apoio era uma fazenda, saindo da rota, que oferecia uma visitação à cachoeira Formosa. Alguém tinha me sugerido que valia a pena a visita.
Saí da estrada e entrei na propriedade privada, algo em torno de 2 km até a casa sede.
Ali, tinha placas indicando a trilha para o mirante da cachoeira, área de picnic, banheiros. Mas ninguém para me receber. Encostei a bicicleta onde a trilha iniciava e fui ver a cachoeira. Eram dois mirantes. Fiquei um tempo lá tirando fotos, comi umas castanhas, brinquei com um gato que me seguiu e voltei para a casa. Ninguém.
Esperei um pouco e pensei em deixar o dinheiro da taxa de visitação com um bilhete debaixo da porta. Precisava ir embora.
Já arrancando a folha do caderno, uma porta abriu e uma música veio de lá, junto com a piaçava de uma vassoura jogando pó pra fora.
Chamei: “ô de casa”.
Um jovem cabeludo veio me receber. Eu disse que já tinha visto tudo, pedi desculpas por ir entrando, mas como chamei e ninguém apareceu… Trocamos algumas palavras mais, paguei e fui embora. Agora era praticamente só descida.
Pedalados 40 km nesse dia, cheguei ao Mercado/lanchonete/restaurante/pousada Palmeiras. Na beira da represa. Única pousada da região.
Pedi uma coca. E fui para o quarto. Descida também cansa.
O quarto era isso: Uma cama, e só. Nenhum móvel mais. Nem TV. Nem nada.
Fui tomar banho no banheiro coletivo e na volta a luz do quarto queimou.
Desci na lanchonete (a parte mercado já tinha fechado e quem cuidava da pousada já tinha ido embora) e me arrumaram uma lâmpada extra. Por sorte a lanchonete também servia jantar… E que jantar, uns 8 pratos diferentes! Dava para umas 4 pessoas fácil.
Dormi estufado.


8º dia. Palmeiras - Benedito Novo - Timbó

O mapa apontava uma longa descida. Tirei um pouco o peso da frente da bike e fui.
Tive que parar duas ou três vezes para esfriar as pastilhas de freio. O tempo estava meio fechado e havia alguma neblina nos primeiros quilômetros. No final da descida, uma ponte de madeira coberta atravessava o rio. Eu não cruzaria a ponte, mas parei pra tirar fotos e beber água. Umas senhoras conversavam em frente a uma casa e ficaram me olhando.
Até pensei em puxar papo, mas a cara delas não parecia muito amigável.



Continuei. O restante do caminho talvez possa ser considerado o mais bonito. Boa parte beirando o rio que corria entre as pedras. As árvores e as nuvens amenizavam o calor. E o barulho do rio dava uma paz de espírito.
Uma última subida escondia a chuva do outro lado da montanha, e ao chegar próximo a Timbó, já tinha decidido que não iria embora nesse mesmo dia.
Quando atravessei a ponte do restaurante Thapyoka, ponto final do circuito, parei. As pessoas ali, tirando selfies na represa, não tinham ideia do que eu tinha feito, não me conheciam, não tinham porque me dar os parabéns, nem eu tinha porque compartilhar o que vivi naqueles dias com eles. Não conhecia ninguém e aquela respirada profunda de quem realizou algo, ninguém percebeu. Mas viajar sozinho e cumprir uma jornada dessas é isso: A comemoração é consigo mesmo. 300km de pedal que ninguém me tira.


Voltei para o mesmo hotel do início e pedi um quarto. Tomei um banho. Botei uma roupa limpa, e tirei um cochilo. Quando acordei, comprei a passagem de ônibus pela internet e fui jantar.


Último dia - Timbó.

Sem a obrigação de pedalar, acordei tarde. Tomei vários cafés acompanhando cada um com um bolo diferente. E tudo mais que tinha no buffet.
O único ônibus para São Paulo só sairia às 20:45h. Pedi para fazer o check-out mais tarde e fui andar pela cidade.
Visitei o Museu do Imigrante, almocei e fui pro hotel enrolar.
Umas 17h, peguei a mala-bike, o certificado, me despedi e fui pedalando até a rodoviária.
Cheguei lá às 17h30. Vazia. Nenhum guichê funcionando. Um bilhete no vidro dizia que funcionavam até as 16h no sábado. Abri o site da companhia e lá dizia que deveriam funcionar até as 19h. Eu não tinha como pegar a passagem. Não conseguia ligar para a empresa. Começou a escurecer e eu achei melhor desmontar a bicicleta e guardar na mala. Entrei no site novamente e lá dizia que eu tinha que ter a passagem impressa. Que a compra pela internet simplesmente não valia. Escureceu, o céu e o humor. A rodoviária parecia abandonada. A loja de guloseimas fechada, nenhuma luz acesa a não ser dos postes da rua atrás. Só um cachorro como companhia.
De São Paulo, minha namorada conseguiu ligar na rodoviária de Blumenau (obrigado, Angélica!), e de lá, pediram para o próprio motorista imprimir a passagem para mim. Ufa!

Uma última confusão para mostrar que a vida não é só de conquistas. Mas que no final tudo dá certo.


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