quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Relato de viagem: Travessia entre Petrópolis - Teresópolis

Este post é uma colaboração do nosso amigo James Vaccari, que fez passou um final de semana em Petrópolis e depois fez a travessia entre Petrópolis - Teresópolis a pé. Esperamos que gostem deste relato!

Acordei com o dia ainda escuro. Segunda-feira. Coisa raríssima em dias normais de trabalho. Mas eu estava de férias e isso, sabemos, faz milagres! Não é? Tinha passado o final de semana em Petrópolis (leia o relato aqui). Havia chovido sem parar desde o dia anterior. E ainda chovia. A previsão era que a chuva parasse, mas não estava com cara de que isso iria acontecer. De qualquer forma, o plano era ao menos ir até a portaria do Parque Nacional da Serra dos Órgãos e ver se os guardas nos deixariam entrar.

Pegamos o ônibus no Terminal Central de Petrópolis até o Terminal de Correias. E de lá um ônibus até o bairro do Pinheiral. Segundo o recepcionista do hostel, saberíamos que estaríamos próximos ao parque quando avistássemos plantações de alface em colinas de mais de 30º de inclinação o que, afirmava ele, era bastante surpreendente para plantações de alfaces. As alfaces realmente estavam lá, devidamente inclinadas, e às 7h30 preenchi a papelada na portaria. Faríamos a travessia de mais ou menos 30 km em 3 dias, e se tudo desse certo, estaríamos em Teresópolis na quarta-feira a tarde para o café.

A Travessia Petrópolis-Teresópolis é uma das caminhadas mais clássicas do Brasil. E na minha opinião, uma das mais bonitas. Em 2008, eu já havia percorrido (com tempo aberto e com um grupo de bons montanhistas) essa mesma trilha. Mas não me lembrava de muita coisa. Cheguei a ler alguns relatos que diziam ser imprescindível a contratação de um guia, que era muito difícil sem um GPS, que muitos se perdiam por lá, que era difícil a navegação, com a típica e constante neblina da serra. Quanto mais eu lia, mas eu queria me perder por lá! Eu queria ser o guia, queria chuva, queria neblina e queria toda essa dificuldade. Um desejo incompreensível para muitos, mas uma terapia pra mim. Realmente não é fácil e não se deve subestimar. Mas dois amigos incautos compraram a ideia e estava formada a “equipe”. Por precaução, arrumei um mapa aceitável, bússola e o guia de trilhas do Guilherme Cavallari (que ajudou e recomendo bastante, apesar de uma ou outra das bifurcações citadas não existirem mais).



Também fiz reserva para dormir nos abrigos do parque, para não ter que carregar barraca e isolante térmico. Quando fiz a travessia da primeira vez, o Abrigo do Açú não existia, e o Abrigo do Sino, estava interditado. Os abrigos agora tinham “cozinha completa”, como diz no site PARNASO, mas não especifica se é uma cozinha Masterchef ou uma cozinha das cavernas. Na dúvida, levei panela, fogareiro e talheres desnecessariamente (ou quase, pois acabei usando).

Logo nos primeiros minutos de trilha, saímos dela e pegamos a trilha para a cachoeira Véu de Noiva, que eu não conhecia. Um desvio de cerca de 1h, ida e volta, que vale pelo visual, mas que parecia repelentemente fria para um mergulho matinal.

Esse primeiro dia de caminhada é basicamente uma ascensão dos 1.100 m da portaria até os 2.245 m dos Castelos do Açú. Um subidão que faz você pensar nas suas escolhas, no sentido da vida, nos dias que você teve preguiça de se manter em forma.

Mas descontando as paradas e desvios, foram três horas e meia por 7 km de caminhada até o Abrigo do Açú. O Abrigo do Açú é uma casa com uma cozinha, 2 quartos com beliches, e um sótão para bivaques. Supostamente também alugariam barracas, mas tinham todas sido destruídas pela chuva do dia anterior.



Chegamos às 13h30, onde fomos muito bem recepcionados pelo guarda Sidnei. O Sidnei também estava abrigando um grupo de 6 pessoas que haviam se perdido no dia anterior, dormido na chuva e resgatados pela manhã. Haviam problemas com a bomba de água, impossibilitando banhos, economia de gás e problemas com a troca da guarda. O camarada que deveria substituir o Sidnei não apareceu, e ele ficaria mais dias do que o programado. Os guardas passam alguns dias lá, sem voltar pra casa, e abastecem o abrigo com o que conseguem carregar nas costas (inclusive o botijão de gás!). Não achei muito legal a forma como a administração do parque conduz a logística e manutenção dos abrigos, nem a relação com os funcionários. Na próxima, levo minha barraca e me abstenho de participar desse sistema.


Depois de jantar, cansado, dormi antes das 21h30 e acordei para o nascer do Sol. Prometia um dia lindo. Só que não.

A caminhada no segundo dia é um sobe e desce sem fim pela serra, sentido Pedra do Sino. Logo no primeiro morro, a neblina veio e o dia promissor passou a ser branco. A aclamada vista da Serra dos Órgãos estaria oculta pelas nuvens. Uma selfie ali, ou uma selfie em casa com um lençol branco de fundo, ficaria igual.

Mas com a neblina, veio o desafio da orientação, entre as subidas e descidas por lajes de pedra, com pouca ou nenhuma sinalização e trechos expostos.

Nesse segundo dia apresentam-se os principais “obstáculos” da caminhada: o Elevador e o Cavalinho. O primeiro uma longa escada de vergalhões cimentados na rocha morro acima. Dá uma certa palpitação, mas não chega a ser traumático. E o segundo uma "escalaminhada" exposta, com um penhasco do lado. Subi primeiro e depois fizemos um sistema para subir as mochilas por corda, minimizando a paúra. Divertido, mas que exige um certo cuidado.

Passados os obstáculos sem maiores percalços, chegamos ao abrigo do Sino por volta das 13h30. Dessa vez fomos recebidos pelo guarda Ricardo, que nos ensinou a jogar Sueca (um jogo de cartas popular no Rio de Janeiro) e nos surpreendeu com seus truques de mágicas com baralho.




Por volta das 2h da manhã, acordei com um barulho inesquecível (veja relato sobre Torres del Paine), em meio às mochilas. Um ratinho vasculhava as coisas, abriu uma caixa de suco de laranja, comeu algumas castanhas, e se atreveu a mordiscar meu pacotinho de Gummy Bears. Aí foi a gota d’água! Levantei, virei a mochila do avesso e parti na captura do meliante. Era hora de estrear uma headlamp nova, recém comprada, e cegar o bicho com os potentes 170 lúmens emitidos pelos 4 leds de máxima tecnologia. Ou não… Liguei a lanterna e nada. Troquei as pilhas e nada. Tentei voltar a dormir, mas o rato começou a rir da minha cara. A equipe acordou e nos colocamos à caça! Depois de 1h vasculhando tudo, o rato fugiu triunfante e tivemos que nos resignar aos nossos sacos de dormir. No dia seguinte, fizemos café e arrumamos as coisas enquanto o guarda Ricardo nos informava que o Marshmallow era o roedor de estimação da casa e estava habituado a brincar com as visitas de madrugada.


O terceiro dia é só descida. Começou com neblina de novo. Tinha geado à noite e a grama estava coberta de gelo. Mas logo ao entrarmos na encosta com vista para Teresópolis, o sol apareceu esquentando tudo. Chegamos rápido na saída da Travessia, antes do meio-dia. Missão cumprida. Nos parabenizamos tão efusivamente quanto as dores nos joelhos nos permitiam, mas tinha ficado uma leve frustração de não ter visto muita coisa.



A caminho para a saída do parque, passamos pela entrada da trilha do Mirante. Estava ensolarado, sem neblina e a placa indicava 1h de subida.



Valia um último esforço para ver o que não tínhamos visto. Para tirar aquela foto de cartão-postal da Serra dos Órgãos, com o Escalavrado, o Dedo de Nossa Senhora, o Dedo de Deus, a Cabeça do Peixe e todos os “tubos do órgão” que dá nome à serra. Logo no começo da subida, um transeunte me informou que estava tudo claro e visível lá em cima. Cheguei 40 minutos depois no cume.




Ou o cara me sacaneou, ou ligaram a máquina de neblina no máximo. Não se via nada. Gastei uns 20 minutos de esperança, e desci, chateado. A chateação só durou até eu tomar uma coca-cola gelada. Tinha sido uma ótima caminhada afinal. Tinha realizado o que eu queria e tudo tinha dado certo. A neblina que encobriu tudo, no fim, vai me servir de pretexto para voltar outra vez. Cada vez uma experiência diferente. E a experiência é o que vale.

Finalizamos com um café supimpa no Café São Telmo, e voltamos dormindo para São Paulo.

P.S.: Gostaria de deixar registrado aqui os meus mais sinceros agradecimentos ao pessoal do SESC Teresópolis pela gentileza de nos permitir tomar um banho quente, gratuitamente, depois de 3 dias de caminhada!


James Vaccari é diretor de arte e designer enquanto não viaja. Quando está viajando se mete a fotografar o que vê e a desenhar uma coisa ou outra. Prefere viajar para onde as pessoas normais se preocupariam com banho e banheiro, e gosta de andar muito. Também é instrutor de montanhismo e escalada.


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terça-feira, 20 de setembro de 2016

Final de semana Imperial em Petrópolis - Rio de Janeiro

Este post é uma colaboração do nosso amigo James Vaccari, que fez passou um final de semana em Petrópolis - RJ. Esperamos que gostem deste relato!

Apesar de gostar muito de História, a do Brasil sempre me pareceu enfadonha durante os estudos acadêmicos. Talvez porque "Os Lusíadas" fosse uma leitura obrigatória traumatizante demais para uma criança. Ou talvez porque a história de um rei que veio para o Brasil fugido e com os bolsos cheios de coxas de frango não fosse muito empolgante. Ainda bem que a gente cresce, muda e passa a ver as coisas de outra maneira. E ainda bem que a fase acadêmica passa e a gente consegue tempo pra ler e se interessar por outras coisas, sem a obrigação de passar na prova depois.

Em meados de 2012, depois de um ano e meio na Europa, peguei um vôo de volta ao Brasil com uma conexão de uma tarde e noite em Lisboa. Ali reencontrava parcas lembranças das aulas de História. Mas como já estava um pouco cansado do Renascimento, das espadas e das guerras, voltei e, superando os traumas da infância, fui estudar a História do Brasil. Confesso que meus estudos se confundem entre os livros do Laurentino Gomes (1808 e 1822), o que aprendi na escola e "Independência ou Mortos" (livro que coloca nosso amigo Dom Pedro defendendo a pátria contra uma infestação de mortos-vivos). Então não vou entrar muito em detalhes históricos aqui.



Mas falando de Petrópolis...

Saí de São Paulo, de ônibus, às 23h de uma sexta-feira. Não notei a presença de uma criança no banco de trás, mas não tardou para que ela se apresentasse aos gritos para toda a humanidade que só queria dormir tranquilamente até chegar Petrópolis às 6h30 do dia seguinte. Seus gritos por "mamãe" e a inépcia de sua genitora sentada ao lado, teriam abafado até o brado retumbante da independência!

Da rodoviária fui direto ao hostel. Larguei a mochila (estava com uma mochila grande, que seria usada em uma caminhada depois, e que você pode ler aqui), dei as costas para a cama e o travesseiro que sussurravam baixinho o meu nome, e fui aproveitar o dia.

Petrópolis fica na região serrana do Rio de Janeiro, tem um clima mais ameno, e é a sexta cidade mais segura do Brasil. Era o lugar preferido do Dom Pedro II para dar aquela relaxada imperial, e virava a capital do império durante o verão. Andando pela cidade, bastante conservada, várias casas tem placas que contam um pouco sobre quem morava ali.



Fui direto para o Museu Imperial, mas só pude visitar o jardim, projetado por Jean Baptiste Binot em 1854. Ainda eram 9h e só abriria às 11h. Tirei uma foto com a família Imperial e fui para a Catedral de São Pedro de Alcântara.



Só o que eu sabia sobre a Catedral era uma passagem no livro do Eduardo Spohr, A Batalha do Apocalipse, mas surpreendentemente me deparei com uma bela igreja neogótica, e com os túmulos dedicados a Dom Pedro II (ou parte dele), Dona Teresa Cristina (a imperatriz), Dona Isabel de Bragança (a princesa) e o conde D’Eu.


De lá, fui conhecer outro local historicamente importante: A Encantada, a casa do Santos Dumont, que eu só conhecia dos desenhos do Spacca, na Graphic Novel Santô e os pais da aviação. É uma construção simples, com pouquíssimos itens, mas interessante. Lá também tem uma sala de projeção onde é exibido um pequeno documentário sobre a vida e obra desse nosso compatriota tão extraordinário. Vale uma rápida visita.

Já havia tomado um café na rodoviária, outro no hostel e mais um no café da casa do Santos Dumont. Mas haviam recomendado fortemente que eu experimentasse as delícias da Casa de Chocolates Katz, que ficava logo em frente. Então lá foi mais um café, um strudel de maçã e um chocolatinho para dar tempo do museu abrir.

Voltei ao Museu e fui surpreendido com o cuidado e o bom acervo que tem lá. É obrigatório calçar pantufas para não prejudicar o piso de madeira, o que torna a visita mais divertida se você gostar de patinação ou ski.


O Museu é um prédio Neoclássico construído a mando de Dom Pedro II para ser sua residência de verão. Ficou pronto em 1862, virou escola durante o começo da República, quando a família real precisou dar no pé, e o Getúlio transformou em museu em 1940.

Tem muita coisa interessante para quem gosta um pouco de História, mas tem muito mais para quem quer se aprofundar. Além de mobiliário da época do império, de utensílios, de roupas, medalhas, moedas, enfeites etc., tem uma biblioteca com mais de 50 mil volumes e mais de 250 mil documentos históricos. Almocei no restaurante do museu, tentando digerir toda aquela informação que não me interessou na escola.


Logo depois, fui conhecer a Cervejaria Bohêmia, onde pude visitar a fábrica e conhecer a história da cerveja, o processo de fabricação e tudo mais. Passeio que fala bastante da colonização alemã na região, o que explica a apresentação de dança alemã que estava acontecendo no Palácio de Cristal, por onde passei a caminho da cervejaria.


Depois da cervejaria, voltei ao Museu Imperial. Lá seguimos um lanceiro do Império que nos guia pelo jardim. A História do Museu e do Império é narrada através de luz e som durante a caminhada, conduzindo-nos até vermos um filme projetado nas janelas e na fonte do jardim. Tem até o Sérgio Mamberti (Dr. Vítor) fazendo o Barão do Bom Retiro, amigo pessoal do Pedrão II.


No dia seguinte, domingo, fui conhecer o Palácio Quitandinha. Foi construído em 1941 para ser o maior cassino e hotel da América Latina. Por fora tem um visual alemão. Por dentro tem uma cara vintage americana (graças à decoradora e cenógrafa norte-americana Dorathy Draper). Hoje funciona um SESC lá. E durante minha passagem por lá, ocorria o Festival de Música, além de exposições diversas. Nessa edificação também pode-se visitar a segunda maior cúpula do mundo! Só perde para a da Catedral de São Pedro em Roma!




Em frente ao Quitandinha, há um jardim, o Lago Sul e o Restaurante Lago Sul, que é fortemente recomendado pelos nativos locais, cujo o rodízio de carnes e acepipes no almoço me fez rolar vagarosamente até o ônibus de volta ao centro de Petrópolis.



Ainda tive disposição de visitar a Casa da Ipiranga. Onde o Celso Carvalho, bisneto de José Tavares Guerra, idealizador da casa, apresenta sua história. A casa, também conhecida como A Casa dos 7 Erros, foi construída em 1884, em estilo Vitoriano e hoje funciona como museu e centro cultural.



Na cocheira da casa, funciona o Restaurante Bourdeax, onde tomei o último café do fim de semana. Um café para celebrar o café, que aqueceu as manhãs de toda essa nossa História.


James Vaccari é diretor de arte e designer enquanto não viaja. Quando está viajando se mete a fotografar o que vê e a desenhar uma coisa ou outra. Prefere viajar para onde as pessoas normais se preocupariam com banho e banheiro, e gosta de andar muito. Também é instrutor de montanhismo e escalada.


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