Já tinha visitado algumas cidades de Santa Catarina por volta do fim dos anos 90. Foram viagens a trabalho, corridas. Não dava para dizer que eu conhecia a região realmente. Mas a vontade de voltar, com calma, e conhecer melhor a região, sempre esteve presente. A oportunidade aconteceu neste início de outono e foi uma viagem memorável, que só aumentou a vontade de voltar mais 437 vezes.
Peguei um voo de São Paulo até Joinville e passei o dia na cidade, comendo salsichas, apfelstrudel e me aclimatando para a caminhada que estava por vir. Visitei o Museu do Imigrante, vi as Palmeiras Centenárias, o Museu de Arte, o Cemitério do Imigrante e no fim do dia peguei um ônibus para Indaial.
Em Indaial dormi no Hotel Fink, que é o ponto de partida para quem percorre o circuito caminhando ou de bike. É ali que você pega o passaporte que será carimbado em todas as cidades por onde passar, e onde também pega o mapa do trajeto, dicas locais e ainda pode deixar alguma bagagem para pegar no final.
Imagem: circuitovaleeuropeu.com.br |
Início do trajeto |
Esse primeiro dia já começaria bastante puxado andando 27 km entre as cidades. O caminho todo é sinalizado por setas brancas, para os mochileiros, e setas amarelas, para os cicloturistas, que fazem um trajeto um pouco diferente, no sentido contrário.
No começo foram uns 6 ou 7 km andando pelas ruas de paralelepípedos da cidade de Indaial, seguido por um bom trecho de estradas de terra, entre casas de campo, sítios e pequenas vilas. Ao final do trecho de terra, 4 km antes do fim do trajeto do dia, entrei no Museu da Música de Timbó. Um museu pequeno, mas com um acervo bastante interessante de instrumentos musicais, vale a visita. Como o museu já estava fechando, ainda ganhei uma carona que me poupou de ter que andar o restante do trajeto pela rodovia.
Museu da Música de Timbó |
A caminhada do dia termina no restaurante Thapioka. Uma bela construção que fica sobre uma pequena represa, no centro da cidade. E que também é o ponto de início da caminhada no dia seguinte.
Restaurante Thapioka |
De Timbó para Pomerode a estrada de terra já tem um aspecto mais bucólico e várias casinhas antigas, de construção de madeira e algumas enxaimel, deixam mais evidente a colonização alemã da região. São 25 km de percurso com uma bela subida de 400 m que faz o coraçãozinho bater mais forte. Tanto pelo esforço quanto pela vista lá de cima.
Alguns pontos da estrada, já na descida para Pomerode, estavam sendo aplainados por máquinas e tratores. Tudo indica que a intenção é asfaltar ali, o que vai deixar o trajeto menos bonito. Uma pena :(
No fim da tarde cheguei a pousada Blauberg. Um lugar bem aconchegante e cheio de florais pintados nos móveis. Lembra bem as pousadinhas típicas da Bavária e te faz sentir um pouco na Alemanha. O jantar também foi típico alemão. Um belo de um marreco recheado, no restaurante Wunderwald.
Casa do imigrante Carl Wegge - Pomerode |
No terceiro dia, foram pouco menos de 18 km caminhando. Saindo da "cidade mais alemã do Brasil” e chegando a Rio dos Cedros, onde o sotaque mudou completamente e o sangue italiano se enturmou rapidamente.
Sr. Mattedi, dono da pousada e restaurante que fiquei, quando soube que eu queria conhecer a Igreja de Nossa Senhora das Dores, prontamente ligou para a Sra. Íris, que me esperou na porta de sua casa com a chave na Igreja na mão. E lá fui eu conhecer uma igreja de mais de 100 anos de idade, sozinho.
Vi a estátua de 141 anos de Nossa Senhora Dolorata que foi trazida da França pelos primeiros imigrantes italianos. Vi a gruta de pedra que esses imigrantes reconstruíram quando mudaram a igreja de lugar. E fiquei besta com a solidariedade, a confiança e o respeito que ainda existe nas pequenas comunidades e que são cada vez mais raros nas grandes cidades.
Depois de devolver a chave da igreja ainda passei algumas horas ouvindo as histórias dos imigrantes e dos senhores locais no restaurante. Me senti em casa ouvindo parte da história da minha família e do meu país. Para mim, é isso que vale a pena em uma viagem. Não é o souvenir ou a foto, mas a experiência que se vive.
Mas ainda havia mais por vir. No quarto dia segui para Alto Benedito. Teriam sido 23 km de caminhada, mas em algum ponto depois do quilômetro 18 km, errei o caminho e andei 6Km na direção errada, por parte do caminho do dia seguinte. Acabei pedindo uma carona em uma lojinha de roupas para voltar para a pousada.
Não tinha muito o que ver em Alto Benedito, então dormi cedo e saí cedo para Doutor Pedrinho. Foram 26 km por uma estrada bem rural, passando por pequenas vilas e sítios, uma fábrica de queijos e igrejinhas. Em uma delas estava tendo um festival de costelas, e parecia que toda a cidade estava lá. Uma festa!
No sexto dia, outro engano. Foram 22 km debaixo de chuva e ainda teriam mais 8 km e um desnível de 800 m para chegar até o Campo do Zinco. Parei para comer um lanche em um ponto de ônibus em uma bifurcação. Os dois lados da bifurcação tinham setas brancas, e na dúvida, optei pelo lado que subia (se estivesse errado, seria mais fácil voltar descendo do que voltar subindo). E estava errado: 3 km a mais andando na chuva…
Por sorte, já de volta ao caminho certo, passaram a Margarethe e o Egon, proprietários da pousada do Campo do Zinco levando as malas e depois voltando para dar uma carona no trecho mais íngreme. Ainda prepararam um chá quente na chegada e uma sopa depois do banho.
Foto: Egon Koprowski |
O Zinco é um trecho opcional para quem faz o circuito de bike. Mas para mim deveria ser obrigatório! É o lugar mais bonito de toda a região, e a pousada de lá é a mais acolhedora.
Antes de partirmos no dia seguinte, o Egon e a Margarethe ainda nos levaram para conhecer o mirante da Cachoeira do Zinco e nos dar um abraço de despedida.
Do Zinco até a bifurcação e depois até a cidade de Rodeio, foram 20 km de descida forte. Os joelhos gritavam alto, mas a paisagem distraía bem. Havia muitos jardins que provavelmente estarão bem floridos na primavera.
Na cidade de Rodeio, jantei no restaurante Caminetto e experimentei um excelente penne ao funghi. O restaurante não aceita cartões, mas o mais interessante é que aceita de boa fé que os clientes pegos de surpresa depositem o pagamento na conta depois. E segundo o garçom, nunca tomaram calote.
No oitavo dia, foram menos de 20 km por uma estrada de terra que acompanhava o rio de um lado e plantações de uvas do outro, de Rodeio a Apiúna, passando por Ascurra. Um trecho praticamente plano que foi bem agradável de caminhar e tirar fotos.
O circuito ainda prevê um nono dia: de Apiúna de volta até Indaial. Mas decidi terminar a caminhada aqui e seguir de ônibus de volta ao Hotel Fink.
O circuito é o resultado do esforço de pessoas como o Egon e a Margarethe, do Sr. Mattedi, da Dona Hilda, em Doutor Pedrinho, e de várias outras pessoas em promover o turismo na região. De conservar a cultura dos imigrantes, de cuidar e proteger a natureza e de difundir valores como respeito, honestidade, solidariedade, que me pareceram tão naturais no pensamento e tão simples nas atitudes dessas pessoas, e que estão cada dia mais raros por aí.
Além dos roteiros de cicloturismo e caminhada, existem outras rotas que podem ser do seu interesse para conhecer a região. Dá uma olhada que vale a pena.
Saiba mais em circuitovaleeuropeu.com.br
James Vaccari é diretor de arte e designer enquanto não viaja. Quando está viajando se mete a fotografar o que vê e a desenhar uma coisa ou outra. Prefere viajar para onde as pessoas normais se preocupariam com banho e banheiro, e gosta de andar muito. Também é instrutor de montanhismo e escalada.
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